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Corte Interamericana condena Brasil por explosão de fábrica que matou 64 pessoas

Foto: Reprodução
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Perdi três irmãs na tragédia”, conta Rosângela Rocha logo no início de seu depoimento à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que na última sexta-feira (31) realizou audiência pública que pôs novamente o Brasil como réu, desta vez pela explosão de uma fábrica de fogos de artifício no interior da Bahia, duas décadas atrás, que causou a morte de 64 pessoas, sendo 22 trabalhadores infantis. O caso aconteceu no final da manhã de 11 de dezembro de 1998, em Santo Antônio do Jesus, no Recôncavo Baiano, a pouco menos de 200 quilômetros de Salvador.

Hoje com 41 anos, Rosângela tinha 20 na época da explosão. Mônica, 24 anos, Adriana, 15, e Fabiana, 14, morreram em consequência da explosão. “Aquele 11 de dezembro não pode ser esquecido”, afirmou, diante dos juízes, em depoimento várias vezes cortado pelo choro. “(Adriana) morreu sem a cabeça e os braços”, contou. As outras duas irmãs chegaram a ser levadas a um hospital em Salvador, mas morreram dois dias depois.

“Nem no momento nem depois (o Estado) não prestou nenhum tipo de assistência”, completou Rosângela, que ainda se lembra dos caminhões chegando à cidade para levar os corpos. Além dos 64 mortos, cinco pessoas tiveram ferimentos graves. “A situação de pobreza do município obrigava a população a se submeter ao trabalho extremamente perigoso”, diz a ONG Justiça Global. A entidade de direitos humanos lembra, conforme relatos de trabalhadores, na época cada um recebia R$ 0,50 a cada mil traques, pequenos artefatos explosivos. Parte da atividade era clandestina.

“Segundo a Comissão Interamericana de Diretos Humanos, o Estado sabia que na fábrica se realizavam atividades industriais perigosas e, por isso, deveria conhecer que lá existia, presumivelmente, uma das piores formas de trabalho infantil e que se estava cometendo graves irregularidades, que implicam alto risco e iminente perigo para a vida e para a integridade pessoal e de saúde de todos os trabalhadores”, diz informe da Corte Interamericana, que recebeu o caso da Comissão em 2018. Um acordo descumprido levou a Justiça Global, o Movimento 11 de Dezembro (criado por vítimas da tragédia) e a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos a solicitar que o caso fosse levado à Corte.

Os casos passam primeiro pela Comissão Interamericana, que analisa se deve levá-los a julgamento. No caso da fábrica, o órgão observou que “Estado é responsável pela violação do direito à vida e à integridade pessoal”, em razão da falta de supervisão da fábrica, onde eram cometidas graves irregularidades. Um júri popular condenou alguns dos apontados como responsáveis, incluindo o dono da fábrica, mas ninguém foi preso.

“A responsabilização do Estado brasileiro pela Corte Interamericana garantirá aos impactados pela explosão a reparação pelos 20 anos de sofrimento e descaso. Também será importante para impedir que outras violações similares se repitam”, afirma Sandra Carvalho, coordenadora da Justiça Global. A organização lembra que o município baiano “continua sendo um grande pólo de produção de fogos de artifício de modo clandestino, tornando iminente um novo desastre como o ocorrido em 1998”.

Pelo Estado brasileiro, manifestaram-se órgãos como a Advocacia-Geral da União e o Ministério da Defesa, que tem uma Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC). O tenente-coronel Porto afirmou que a fábrica estava licenciada pelo Exército para uma quantidade específica. “À revelia do Exército, o proprietário construiu novas instalações”, afirmou na audiência. Autoridades sustentaram que o Estado não se omitiu do processo.

O país já foi condenado algumas vezes pelo tribunal internacional. Foram os casos, entre outros, do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, da guerrilha do Araguaia – em ambos, por não investigar os crimes cometidos durante a ditadura –, por violações de direitos do Povo Indígena Xucuru e pela prática de trabalho análogo ao de escravo na Fazenda Rio Verde, no Pará.

Fonte: Rede Brasil Atual

 

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