Outubro e a justiça social
Outubro é um mês de celebração e reflexão sobre as conquistas e os desafios sociais brasileiros. Dia 05 é o aniversário de promulgação da Constituição Federal de 1988, nossa Constituição Cidadã. Dia 12 de outubro é o Dia das Crianças e no dia 15 é comemorado o Dia das Professoras e dos Professores.
No complexo contexto social e político brasileiro, as três datas exigem uma análise crítica de acontecimentos recentes.
A partir da Emenda à Constituição 95/2016, nenhum centavo novo do governo federal será investido nas áreas sociais até 2036, especialmente em educação e saúde, as duas áreas mais prejudicadas pela medida.
As reformas trabalhistas e da previdência colocam em risco a renda das famílias brasileiras mais vulneráveis. E as políticas educacionais de Michel Temer, como a Reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular servem, na prática, para reduzir a justa pressão por mais recursos para a área. Ou seja, pouco contribuem com a qualidade da educação de fato - que depende prioritariamente da valorização dos profissionais da educação.
Nesse cenário dois problemas antigos se intensificam: 1) a histórica dificuldade brasileira em universalizar a educação pública de qualidade; e 2) é estabelecido um contexto favorável ao flagelo do trabalho infantil.
Sobre educação, pesquisa após pesquisa, o Brasil é considerado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como um dos países que pior remunera seus professores. Além disso, as condições das escolas públicas brasileiras – em muitos casos – estão até mesmo distantes de um padrão de dignidade.
No dia 05 de julho de 2019 o presidente Jair Messias Bolsonaro disse que o trabalho infantil “não prejudica as crianças” e garantiu que não apresentaria um projeto para descriminalizá-lo apenas porque, se fizesse isso, seria “massacrado”.
Diante dos problemas, qual é o caminho?
O caminho não difere daquele trilhado pelos países desenvolvidos: implementar políticas sociais que consagrem a cidadania. Aliás, a qualidade de vida do povo deve ser o objetivo fundamental das nações.
Nesse sentido, a primeira e mais urgente medida é revogar a EC 95/2016 e retomar o investimento para a consagração de direitos.
Posteriormente, na contramão de Bolsonaro, é necessário ampliar a idade em que não é permitido o trabalho infantil, saindo dos atuais 16 anos para 18 anos. Isto é, criança e adolescente não deve trabalhar. Ao contrário, deve estudar e ter direito à saúde, lazer, esporte e cultura – tal como ocorre com os filhos das famílias mais ricas.
Para isso, antes de tudo, a escola pública deve ser atraente: com professores bem remunerados, número adequado de alunos por turma, e com equipamentos e instrumentos pedagógicos como Internet banda larga, quadra poliesportiva coberta, laboratórios de ciências e bibliotecas. Deve ter também recursos para implementar um bom projeto pedagógico.
Parece utopia, mas isso não é nada além dos direitos básicos de estudantes e professores, para que os primeiros possam aprender e os segundos tenham condições de ensinar. Ademais, tudo isso é possível com um bom Fundeb.
A renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação tramita no Congresso Nacional desde 2015.
O Fundeb financia mais de 40 milhões de matrículas da creche ao ensino médio. Hoje ele conta com quase R$ 160 bilhões, mas é pouco para expandir matrículas e garantir qualidade a todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos que cursam a educação básica.
Como o FUNDEB termina em 2020, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal têm se debruçado a construir propostas.
Representando um bom consenso, a deputada Profa. Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) apresentou uma proposta que quadruplica a participação do governo federal com a educação básica, garante um sistema justo de distribuição de recursos - beneficiando mais matrículas e professores - e constitucionaliza o CAQ (Custo Aluno-Qualidade), mecanismo idealizado por muitos autores e desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde 2002.
Se tivermos um bom FUNDEB poderemos formar uma geração de cidadãos felizes e capazes de colaborar decisivamente com o desenvolvimento do país.
Porém, não basta apenas garantir a boa educação das crianças e adolescentes. Elas e suas famílias devem ter condições de vida dignas. Para isso, é preciso estabelecer mais políticas de distribuição de renda, que fortaleçam e superem ações bem-sucedidas, cujo melhor caso é o Bolsa Família. Isso é central para impedir o flagelo do trabalho infantil.
Muitos dirão que apenas falo de sonhos. Talvez seja. Mas sonhar nesse caso é desejar que todas as crianças e adolescentes do Brasil, bem como adultos e idosos, tenham uma vida digna.
Trabalho para que não exista mais pobreza no Brasil e a qualidade de vida seja um direito de todas e todos. E não um privilégio.
Para as crianças isso significa ter direito à infância, para os adolescentes é ter direito à adolescência. E ambos são impedidos pelo trabalho infantil.
Revogar a EC 95/2016 e aprovar um bom FUNDEB é um primeiro e importante passo. Distribuir renda, de todas as formas possíveis, é o caminho decisivo.
Se isso for feito, os outubros vindouros serão apenas de celebração. Por ora, Feliz Dia das Crianças e Feliz Dia das Professoras e dos Professores.
O artigo foi publicado no dia 15 de outubro de 2019 no site Metrópoles