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Júri confirma pena de 52 anos prisão para assassino de Marielma

Confirmação - O Tribunal do Júri confirmou ontem, por unanimidade, a condenação a 52 anos de prisão de Ronivaldo Guimarães Furtado pelo assassinato da menina Marielma de Jesus Sampaio, de 11 anos na época do crime. Ele foi condenado por homicídio quadruplamente qualificado, estupro, porte ilegal de armas e cárcere privado, com os agravantes de que agiu de maneira fútil, torpe e usou método cruel que impossibilitou a defesa da vítima. O crime aconteceu no dia 12 de dezembro de 2005. Marielma foi espancada, teve oito costelas quebradas e hemorragia interna.

Ronivaldo já havia sido julgado em dezembro de 2006 e condenado a 52 anos, mas teve direito a novo julgamento porque o Código de Processo Penal Brasileiro concede o benefício a qualquer pessoa condenada a mais de 20 anos em regime fechado. Com a condenação de ontem, ele irá cumprir a pena em regime fechado no Centro de Recuperação.

A mulher dele, Roberta Sandreli, também seria julgada novamente ontem por co-autoria nos crimes, mas teve o júri adiado para esta quinta-feira, 10, porque o advogado dela, Dorivaldo Belém, não compareceu por estar com uma virose. 'Foi uma estratégia para que os dois réus não fossem julgados juntos', disse o promotor do caso, Paulo Godinho. A advogada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Emaús), Celina Hamoy, que atua na assistência de acusação, disse que a confirmação da sentença de Ronivaldo já era esperada e que o julgamento de Roberta deve seguir a mesma linha. 'Esperamos que a primeira sentença seja mantida também no caso da Roberta Sandreli',
disse ela.

Seguindo a mesma estratégia do primeiro julgamento, Ronivaldo negou qualquer responsabilidade pelo crime e acusou Roberta Sandreli. Questionado por Paulo Godinho sobre vestígios de sêmem no corpo da menina, o que comprovou a autoria do estupro, Ronivaldo tentou denegrir a memória da criança insinuando que ela teria contato com feirantes da área do Barreiro, onde a família morava. A resposta irritou o promotor, que passou então a apresentar fotos técnicas do laudo cadavérico feito em Marielma, em que foi possível visualizar queimaduras provocadas por inseticida - supostamente para matar piolhos -, manchas roxas no rosto, queimaduras provocadas por fios elétricos e outras marcas de violência sofridas pela menina durante os meses que antecederam a morte.

Interesse - O julgamento de Ronivaldo Guimarães Furtado atraiu muita atenção. Pela manhã, houve fila para entrar no salão do júri e o acesso de cada pessoa só era autorizado quando alguém deixava um lugar vago no salão. Sem lugares reservados, representantes de entidades de direitos humanos, de enfrentamento ao trabalho infantil doméstico e de defesa de crianças e adolescentes não puderam acompanhar o júri desde o início e enfrentaram fila para entrar no salão. A representante da Federação Nacional das Empregadas Domésticas, Creuza Maria Oliveira, veio da Bahia para assistir ao julgamento, mas só conseguiu entrar no salão do júri no final da manhã. 'É frustrante, mas tem um lado positivo porque mostra que as pessoas estão muito interessadas nesse julgamento. A sociedade está atenta', disse.

Com dificuldade de acesso ao salão do júri, entidades de defesa de crianças e adolescentes que integram o Programa de Enfrentamento ao Trabalho Infantil Doméstico (Petid) se revezaram em manifestações na praça em frente ao Fórum Cível da capital. Com faixas, elas alertavam a população para o crime de Marielma e para a gravidade da prática de empregar meninas como trabalhadoras domésticas. Após ler a sentença, o juiz Raimundo Moisés Flexa lembrou que além da diferença física desigual
entre Ronivaldo e Marielma, o crime aconteceu no interior da casa da família, o que impediu que outras pessoas pudessem socorrer a menina.

Insanidade - A sessão começou por volta das 8h30, com a escolha dos sete jurados para compor o conselho de sentença. Foram escolhidos seis homens e apenas uma mulher para decidir o destino de Ronivaldo Furtado. O réu manteve um comportamento apático durante a manhã de julgamento, mas, segundo informações das assistentes de acusação, Fátima Moreira, representante da OAB e a coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, Celina Hamoy, ele tentou intimidá-la com olhares.
Durante os depoimentos das testemunhas de acusação, o juiz preferiu retirar o acusado do tribunal para que ele não intimidasse os depoentes, já que todos alegaram ter medo de Ronivaldo.

Durante a manhã, Ronivaldo prestou novo depoimento e depois o promotor Paulo Godinho solicitou a leitura de parte dos autos. Depois de quase duas horas de leitura, as testemunhas de acusação, Franklin Martins, médico que teve o primeiro contato com o cadáver de Marielma, a mãe da vítima, Maria Benedita da Silva, e o vizinho do casal, Francisco Ramos da Cruz, prestaram depoimento que encerrou às 12h45. Após, o juiz
concedeu intervalo, voltando ao tribunal do júri às 13h30.

Mais magro, Ronivaldo Furtado ratificou a postura que assumiu desde o início das investigações de atribuir o crime à esposa, Roberta Sandreli. Ele disse ao juiz que Marielma saía de casa várias vezes, portanto, não era mantida em cárcere privado, e chegou até a sugerir que o fato da perícia ter constatado a violação sexual na sua genitália poderia ter sido porque ela 'costumava demorar quando ia à feira do Barreiro'.

Ronivaldo continou dizendo que foi Roberta quem espancou a garota até a morte, movida por ciúmes dele, conforme contara no primeiro depoimento. Ele disse que havia saído de casa e quando chegou, a esposa estava aflita porque a criança não reagia, mesmo após terem tentado reanimá-la com choque elétrico.

Argumentos - Em suas alegações, o advogado de defesa de Ronivaldo, Djalma Farias, usou as teses de negativa de autoria e insanidade, alegando que não houve provas suficientes para os crimes de porte ilegal de armas e cárcere privado e que Ronivaldo foi lançado em um 'inferno dantesco'  pela acusação, que confundiu os jurados. Ele também manteve a negativa de homicídio e ainda tentou convencer os jurados de que Ronivaldo é doente mental. 'Ele sofre de esquizofrenia psicopática', disse, em referência ao laudo de sanidade mental assinado pela psiquiatra forense, Elizabeth Ferreira, do Instituto de Perícias Científicas Renato Chaves. Segundo esse laudo, Ronivaldo seria inimputável e não iria a julgamento. 'Esse rapaz é inimputável. Ele não tem condições de ser julgado e, mais ainda, de ser condenado', apelou, ao mesmo tempo em que procurou desqualificar o segundo exame de sanidade mental feito no acusado.

O promotor Paulo Godinho disse que as alegações de Djalma Farias demonstravam desespero diante da dificuldade em provar a inocência do réu. Para o promotor, Ronivaldo chegou ao júri sem nenhuma chance de absolvição e por isso deveria ser condenado à pena máxima. 'Se pudesse condená-lo a 100 anos, pediria 200 anos, prisão perpétua, pela hediondez do crime e por se tratar de uma criança', disse Godinho.

A assistente de acusação, Maria de Fátima Moreira disse que os crimes sexuais são 'especialidade' de Ronivaldo e apelou para a condenação. 'Esse cidadão não consegue se colocar no lugar dos outros. Se ele sair daqui em liberdade, outras Marielmas irão existir', disse ela.

Médico - A primeira testemunha a depor, o médico Franklin Albuquerque, que assegura ter sido extorquido durante anos por ter atropelado o pai de Ronivaldo em 1972, também ratificou o depoimento anterior de que viu a menina morta após a sessão de tortura na casa de Ronivaldo e Roberta e acrescentou que, mesmo depois de preso, o réu continuava a ameaçá-lo por telefonemas feitos de dentro do presídio. Somente após a condenação, segundo o médico, é que Ronivaldo parou de fazer ameaças, mas que ainda
teme por sua segurança e de sua família.

Franklin Albuquerque disse ao juiz que nunca notou qualquer sinal de doença mental em Ronivaldo, mas que o réu é extremamente violento. Também disse que nunca testemunhou Roberta Sandreli fazendo ameaças ou sendo violenta contra Marielma. No entanto, meses antes do crime disse que viu a menina levando um grande soco de Ronivaldo à altura do fígado e não reagiu. Na ocasião, o médico tentou impedir, mas foi
ameaçado por um revólver pelo agressor que ainda disse. 'Não te mete,
que isto não te pertence'.

Após matar a garota, por volta das 22 horas, o casal foi buscar o médico em sua residência e o levou para atender atender Marielma, mas não adiantou porque ela já estava morta. Ele disse que se espantou quando entrou na sala e se dirigiu ao banheiro ao quarto, onde o corpo da menina estava estendido no chão. As paredes do corredor e do quarto estavam sujas de sangue e o corpo de Marielma, com grandes marcas de
choque elétrico e com escoriações generalizadas. Assim que constatou a morte da menina, o médico assegura que orientou o casal a procurar a Polícia, mas Ronivaldo reagiu.

De lá, os três foram até o escritório do advogado Dorivaldo Belém, que já havia defendido Ronivaldo em processos anteriores de roubo e estupro. O advogado também orientou os dois a se entregarem à Polícia, mas eles não atenderam e resolveram fugir, até serem encontrados três dias depois escondidos em um sítio em Moju. Franklin Albuquerque chegou até a pagar ao advogado para atender ao casal e após voltou para casa. 'Acredito que foi Ronivaldo quem matou a Marielma', apontou. Ele acrescentou que durante o trajeto de sua casa até a residência do casal, Ronivaldo induzia Roberta a assumir o crime, alegando que já tinha problemas com a Polícia e com a Justiça.

O médico disse que a cena da menina estirada no chão, após a sessão de tortura, foi a mais chocante que presenciou na vida. 'Pela brutalidade, o fato foi feito por uma pessoa com muita força', descreveu Franklin.

Sem limites - Mesmo depois de preso e condenado, Ronivaldo Furtado continua ameaçando as testemunhas do processo. Francisco Ramos da Cruz, panificador e vizinho do casal, contou ao juiz que no dia do primeiro julgamento de Ronivaldo, após a sentença condenatória ter sido divulgada, a irmã de Ronivaldo, de prenome Roseane e apelidada de Rosinha, chamou-o ainda dentro do fórum e mandou um recado do criminoso condenado. 'O Ronivaldo mandou avisar que assim que ele se livrar disso, ele vai acertar as contas contigo'.

Francisco informou ao juiz que durante quatro anos sofreu perseguição e foi extorquido por Ronivaldo. Ele disse que Ronivaldo lhe emprestou R$ 1 mil e depois passou a cobrar a dívida com ameaças de morte, sendo que por mais que ele pagasse, nunca se livrava. Tanto que chegou a dar mais de R$ 50 mil ao criminoso a título de juros, sendo R$ 30 por dia e R$ 180 dia 5 de cada mês.

Ele contou que Ronivaldo bebeu muito no dia do crime e que só viu Marielma uma única vez, quando a menina saiu para comprar refrigerante. Mas que ninguém ouvia ruídos de violência na casa do casal porque quando começava a beber o réu aumentava o volume do som.

A mãe de Marielma, Maria Benedita da Silva, também ratificou o depoimento anterior, dizendo que conheceu o casal em Vigia, quando eles foram visitar sua família e pediram para levar a menina para tomar conta de um bebê. Inicialmente, Marielma fora levada para Colares, onde morou com o casal, que depois se transferiu para Belém, sem informar o endereço à família da garota. Ela recebeu a promessa do casal de receber uma cesta básica mensal, mas os alimentos nunca chegaram em suas mãos.

Ronivaldo falou para a família de Marielma que era agente federal e prometeu botar a menina para continuar os estudos na capital. 'Eu só soube do endereço deles após a morte da minha filha', contou a mãe, emocionada.

Quando o promotor exibiu a foto de Marielma na escola em Vigia, Maria Benedita não agüentou e começou a chorar. Neste instante, o promotor pediu para retirar a fotografia e encerrou o questionamento.