Qual a relação entre seu smartphone e o trabalho infantil no Congo

É possível que o computador ou smartphone que você está usando para ler esse texto tenha material colhido por crianças no Congo — o terceiro maior país do continente africano, um dos mais ricos em minerais, mas um dos nove mais pobres de lá. O cobalto, minério essencial para a fabricação de baterias de lítio, é extraído por trabalhadores explorados na República Democrática do Congo.
O país está imerso em uma série de conflitos complexos há mais de 20 anos. Com mais de 6 milhões de pessoas mortas, a guerra civil do Congo é considerada a mais letal desde a Segunda Guerra Mundial. Um dos motivos apontados é justamente o interesse de milícias na exploração dos minérios.
Segundo reportagem do jornal Washington Post, estima-se que o país tenha mais de 60% das reservas mundiais de cobalto. Também calcula-se que existam mais de 100 mil mineradores, incluindo crianças de sete anos, que cavam, sem ferramentas especiais, buracos e extraem coltan (uma mistura de dois minerais: columbite e tantalite), cobalto e outros materiais valiosos para a indústria da eletrônica.
As explorações nas minas do Congo
Embora existam diversas denúncias de exploração, más condição de trabalho e uso de crianças em mineradoras, tanto fabricantes de smartphone, quanto de bateria ou revendedoras de cobalto, continuam a comprar o metal que vem do Congo.
Apesar de muitas fabricantes dizerem que não podem rastrear a origem do matéria-prima, alguns jornalistas e ONGs ativistas conseguiram ver as condições de trabalho dos mineradores. É o caso do Washington Post, que produziu uma reportagem especial revelando os abusos que acontecem no país.
O jornal visitou minas na cidade de Kolwezi, no Congo, e conversou com mineradores e governadores para ver como é o trabalho dos mineradores, também chamados de “creuseurs” — cavadores em francês. “A crescente demanda mundial de cobalto muitas vezes é atendida por trabalhadores, incluindo crianças, que trabalham em duras e perigosas condições”, denuncia a reportagem.
Entidades oficiais dizem que a mineração expõe comunidades locais a níveis de metais tóxicos que parecem estar relacionados a alimentos e trazem problemas respiratórios e defeitos de nascença.
Além disso, há a exploração de trabalho infantil. A Unicef estima que existam, ao menos 40 mil crianças trabalhando com os minérios. “É verdade que há crianças nas minas”, confirmou Richard Muyej, governador de Kolwezi ao Washington Post. Ele acredita, no entanto, que o governo não tem poder suficiente para resolver o problema e precisa de cooperação das empresas. “Somos desafiados pelo paradoxo de sermos tão ricos em recursos, mas nossa população ser tão pobre”, disse Muyej.
O que se faz para mudar a situação
Smartphones, notebooks, carros elétricos, brinquedos normalmente contam com uma bateria de lítio. Nela, vão diversos metais; o mais caros deles é o cobalto. Por anos, empresas tentaram se livrar da necessidade do minério, mas nunca conseguiram.
As baterias de lítio são necessárias para a tecnologia ser o que é hoje. Sem elas, o seu notebook não seria portátil, seu smartphone não caberia no seu bolso, e um carro elétrico sequer seria um sonho.
A consultoria Benchark Mineral Intelligence diz que a demanda pelo cobalto triplicou nos últimos cinco anos e deverá dobrar até 2020, alimentada principalmente por fabricantes de carros elétricos. Estima-se que a bateria de um smartphone tenha 10 gramas do minério refinado, enquanto a bateria de um carro elétrico chegue a ter 15 quilos.
Se, de um lado, o cobalto está ligado ao que há de mais inovador na eletrônica, ele também está relacionado ao que há de mais atrasado em sociedade. As extrações começam em minas rudimentares. Os mineradores operam sem equipamentos de segurança, por buracos metros abaixo do chão, com pouca iluminação e pelo tempo que aguentarem. Andam sem mapas, cavando apenas na intuição. Mortes e acidentes são extremamente comuns. “Estamos sofrendo. E nosso sofrimento é para quê?”, questiona Nathan Muyamba, um dos mineradores, ao Washington Post.
A maior parte das empresas que o compram são chinesas, que revendem para fabricantes de bateria, que repassam o dispositivo para companhias como Apple, Samsung e LG. Estima-se que 90% do cobalto da China venha do Congo.
De acordo com o Washington Post, um minerador ganha entre US$ 2 e US$ 3 ao dia. A quantia, muitas vezes, é insuficiente para comer. Por outro lado, em 2015, o preço da tonelada do cobalto refinado flutuou entre US$ 20 mil e US$ 26 mil.
Congo DongFang Minin e a Huayou Cobalt são algumas das empresas que compram o cobalto do Congo e revendem para para fabricantes de baterias, como a LG Chem e Samsung CDI — que, por sua vez, revendem a companhias como Apple, Motorola, Samsung etc. Questionadas pelo Washington Post, as empresas disseram evitar comprar cobalto oriundo de trabalhos manuais, mas que não têm conhecimento suficiente de toda a cadeia produtiva.
Montadoras e empresas de tecnologia disseram ou que não trabalham com matéria-prima provinda da exploração de trabalhadores; ou que não sabem de nada e continuam investigando a cadeia produtiva para garantir que respeitarão os direitos humanos. No entanto, os mineradores continuam no Congo.
Em 2010, o governo dos Estados Unidos aprovou uma lei, conhecida como Lei Dodd-Frank, que exigia que os fabricantes só comprassem minérios de locais certificados e que não cometessem abusos. Entre os minerais contemplados, estavam o ouro, o coltan, tungstênio e estanho. O cobalto ficou de fora.
No entanto, a legislação pode ter piorado ainda mais a situação. Sem poder vender os minérios, muitos homens ficaram ainda mais desamparados financeiramente e procuraram outras alternativas de sobrevivência. Alguns deles entraram para as milícias armadas. “A intenção da lei era boa, mas na prática não foi bem pensada. Esse é um país onde o governo é ausente em muitas áreas, amaldiçoado por anos de guerras e maus governos, onde o tecido econômico foi destruído. Os legisladores americanos não parecem ter levado isso em consideração”, comentou Eric Kajemba, diretor do Observatório da Paz e Governança, uma ONG do Congo.
Em meio a esses dilemas, empresas investigam como podem mudar a situação. A partir de 2017, a Apple, por exemplo, começará a exigir que os refinadores façam auditorias a origem do material e não comprará o que vier de violações aos direitos humanos. Foram ao menos cinco anos de estudos para que a empresa tomasse um primeiro passo. Outras, ainda estão imóveis. Até mais mudanças virem, o Congo continua nessa situação.
Foto: Marcos Santos/USP Imagens/ Fotos Públicas