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Trabalho infantil no cultivo do fumo provoca graves danos à saúde

O Brasil é o maior exportador e o segundo maior produtor mundial de tabaco. O setor depende da mão de obra da agricultura familiar para gerar, em média US$ 2 bilhões anuais em exportações. No entanto, o trabalho exaustivo para as famílias e a necessidade de ampliar a produção para ter renda fazem com que crianças e adolescentes sejam envolvidos no cultivo.


“A boa renda oriunda do cultivo de fumo é restrita a um grupo bastante seleto de famílias, em torno de 25% delas. A maioria consegue, no máximo, sobreviver, e para um grupo de mais de 30% das famílias a renda líquida do fumo é inferior a dois salários mínimos mensais”, ressaltou, em entrevista ao IHU On-Line, o coordenador do Departamento de Estudos Socioeconômicos Rurais da Unisinos, Amadeu Bonato.

Cultivo concentrado

 A região sul responde por mais de 95% de toda a produção de fumo do país, envolvendo 170 mil famílias. Dessas, 43 mil estão em Santa Catarina, segundo maior produtor brasileiro, de acordo com o Sinditabaco. De acordo com a Pnad 2015, 8,1% das crianças de 5 a 17 anos do estado trabalham em diversos setores econômicos.

A relação entre a escola e a exploração trabalho infantil na fumicultura catarinense foi tema da tese de doutorado da professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UNFSC), Soraya Franzoni Conde. O trabalho foi editado como e-book e está disponível aqui.

O estudo entrevistou 1.080 crianças e adolescentes de 11 escolas em São Bonifácio, Imbuia e Canoinhas, municípios com alto índice de cultivo de fumo. Os estudantes de 9 a 17 anos produziram textos ou desenhos sobre sua vida fora da escola e em 64% retrataram situações de trabalho infantil.

“A escola ocupa um papel fundamental para o processo de desenvolvimento social, intelectual, motor e afetivo de crianças e adolescentes. Nos lugares onde há escola sendo frequentada, as crianças e os adolescentes trabalham menos. Entretanto, quando há necessidade de contribuição do trabalho infantil para a renda familiar, as crianças trabalham depois da escola, nos finais de semana e, sobretudo, nas férias”, informa a professora.

A situação é ainda mais grave na fumicultura. “As épocas de plantio e de colheita coincidem com as férias de julho, dezembro, janeiro e meados de fevereiro. Vários são os relatos que coleto sobre a intensidade do trabalho nas férias. Com isso, uma das questões fundamentais que argumento no livro é que a escola não dá conta de resolver um problema cuja origem advém da necessidade econômica da família em produzir por meio do trabalho de todos seus membros”, analisa.

No livro, a professora informa que 24% dos trabalhadores do tabaco no estado tinham menos de 16 anos em 2010. Os dados são da Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Santa Catarina (Fetaesc). No mesmo ano, havia cerca de 1,2 milhões de trabalhadores envolvidos com a produção do fumo em todo o país e 80 mil eram crianças.

No Rio Grande do Sul, maior produtor brasileiro de tabaco, havia 10.265 crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos trabalhando na fumicultura, segundo o Censo 2010 do IBGE. A maioria (6.100) eram meninos. Os casos foram registrados em 165 de 497 municípios.

Danos graves à saúde

Além de impactar o desenvolvimento psicológico, cognitivo e físico de meninos e meninas, o cultivo do fumo pode levar à ocorrência da doença da folha verde do tabaco (DFVT), causada pela intoxicação por nicotina via contato da planta com a pele. Os sintomas mais comuns são dor de cabeça, fraqueza, náuseas e tontura, aponta o Ministério da Saúde.

Os fumicultores podem ter 50 vezes mais nicotina no sangue do que uma pessoa fumante. “É comum nos relatos de ‘porre de fumo’. Quando ocorre, os fumicultores ficam alguns dias fora da lavoura e a empresa fumageira que compra a produção do agricultor indica o remédio para cortar esses efeitos. Por isso não encontramos registros em postos de saúde. Há épocas, sobretudo de colheita de fumo, em que esse remédio fica em falta nas farmácias”, denuncia a professora.

Por estarem em fase de desenvolvimento, os riscos de danos irreversíveis para crianças e adolescentes são ainda mais intensos. O contato com substâncias tóxicas, como a nicotina e os agrotóxicos podem ocasionar doenças graves, como o câncer. Além disso, são expostos a esforços físicos, riscos de acidentes e ao sol, calor, umidade, chuva e frio sem proteção adequada.

Por isso, o trabalho na fumicultura é uma das piores formas de trabalho infantil, conforme Decreto 6.481/2008. Para impedir que ocorra, é preciso superar as desigualdades sociais, aponta Soraya.

“É fácil colocar a culpa na escola e assim escamotear o problema fundamental da desigualdade social. Mesmo em países ricos e desenvolvidos há filhos de imigrantes trabalhando nas periferias. A escola é muito importante para todas as crianças e adolescentes e, sem dúvida, os protege. Mas o problema está fora de seus muros”, analisa.

Outro desafio é superar a ideia equivocada, comum entre as famílias agricultoras catarinenses, trabalhar é benéfico para crianças e adolescentes. “Há a cultura de trabalho como algo que enobrece no campo catarinense, sobretudo, em virtude da colonização alemã e italiana Mas não há oposição entre cultura e necessidade, pois o que é necessidade se torna parte de nossa cultura. Portanto, a necessidade de trabalhar vira cultura de trabalhar”, pontua Soraya.

Vencer as questões culturais e, sobretudo, sociais determinantes para a exploração da mão de obra de meninos e meninas depende da ação política articulada nas áreas de saúde, educação e assistência social para crianças, adolescentes e suas famílias.