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Com mais de 4 milhões de vagas criadas, Lei de Aprendizagem sofre com ameaças de retrocessos

Não à MP 1.116/22
Não à MP 1.116/22

Brasília, 29 de Agosto de 2022  - Nos próximos dias, o Congresso Nacional pode votar a MP 1.116/22, que altera drasticamente a Lei No. 10.097/2000, mais conhecida como  Lei de Aprendizagem, única política pública em vigor para qualificação, profissionalização e inserção de jovens e adolescentes no mercado de trabalho, principalmente aqueles em situações de vulnerabilidade.

A Lei de Aprendizagem representa importante instrumento de desenvolvimento social e combate ao trabalho infantil. O dispositivo obriga empresas de médio e grande porte a contratar jovens de 14 a 24 anos, notadamente aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social, enquanto garante o acesso à educação profissional.

Para que exerça a função de jovem aprendiz, os adolescentes e jovens devem estar matriculados em escolas de ensino regular ou técnico. A jornada de trabalho é de, no máximo, seis horas diárias, sem possibilidade de prorrogação e a compensação de jornada. Após concluído o ensino fundamental, o limite máximo é de oito horas diárias, contanto que esteja incluída a formação teórica no total da jornada diária de trabalho.

Desde a sua sanção, a Lei de Aprendizagem  alcançou mais de 4 milhões de jovens e adolescentes. Somente em 2022, estima-se que mais de 500 mil aprendizes tenham sido contratados. E o número de vagas deveria ser ainda maior, pois são poucas empresas  que cumprem com a cota mínima de aprendizes exigida, fixada entre 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, e calculada sobre o total de empregados cujas funções exijam formação profissional.

De acordo com dados fornecidos pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT/STRAB/MTP), em dezembro de 2021, o percentual mínimo de contratação de 5% correspondia a 916.319 de potenciais vagas de aprendizes disponíveis para jovens e adolescentes terem sua primeira oportunidade de ingresso seguro e protegido no mercado de trabalho. Este número de vagas poderia triplicar com o cumprimento da cota máxima de 15%. 

A aprendizagem profissional é uma das estratégias de enfrentamento ao trabalho infantil. De acordo com os dados da Pnad Contínua 2019, havia 1,45 milhão de adolescentes com idades entre 14 e 17 anos em situação de trabalho infantil. 

Apesar de sua importância, especialistas e instituições de enfrentamento ao trabalho infantil alertam para as recentes tentativas de ataques sofridas nos últimos anos. O último deles foi a Medida Provisória No. 1.116/2022, assinada pelo Presidente da República Jair Bolsonaro, que institui o Programa Emprega + Mulheres e Jovens. Apesar do nome, menos da metade do texto se dirige às mulheres. Sua maior parte refere-se a reformas na Lei de Aprendizagem. O texto foi publicado no Diário Oficial da União no dia 5 de maio e agora aguarda votação no plenário para que seja convertida em lei ordinária. 

 

Impactos da MP 1.116/22 na contratação de aprendizes

O estudo técnico sobre o impacto negativo da MP 1.116/22 no instituto da Aprendizagem Profissional elaborado pelo Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho - SINAIT  apresenta essas mudanças. Confira o resumo a seguir:

 

I- Projeto Nacional de Incentivo à Contratação de Aprendizes – PNICA (Arts. 25 a 27 da MP 1.116/22) 

Segundo o estudo, tal projeto concede prazo para que as empresas regularizarem o cumprimento da cota de aprendizagem, sem punição administrativa, suspendendo os processos de autuações anteriores e reduzindo as multas já aplicadas. O documento cita que durante esse prazo poderá haver um “apagão” na contratação de aprendizes. Isso porque todas as empresas que aderirem ao PNICA estarão legalmente liberadas a não contratar durante esse período. 

Além disso, a empresa que não aderir ao PNICA sofrerá a sanção prevista na nova redação do Art.434, parágrafo único, da CLT, dada pela MPv nº 1.116, de 2022, que fixa em R$ 3.000,00 a multa por aprendiz não contratado. Ocorre que esse valor é em média oito vezes menor do que o custo ao se contratar um aprendiz durante dois anos.

Outro ponto negativo a ser destacado é a autorização para centralização das vagas de aprendizagem pelo período de dois anos, prevista na MP 1.116/22. Antes das mudanças, o cumprimento da cota de aprendizagem deveria se dar por estabelecimento para que a vaga fosse ofertada no local onde as atividades da empresa são desempenhadas. Isso permitia que o programa de aprendizagem chegasse em municípios do interior do país e não fosse centralizado em grandes capitais. 

II - Tempo de contrato e prorrogação de contrato de aprendizagem (Art. 28 da MP)

O prazo máximo dos contratos de aprendizagem aumentou de dois para três anos, e admite casos em que o contrato pode chegar a quatro anos ou até mesmo por prazo indeterminado. Além disso, trouxe a possibilidade de considerar cursos de graduação como atividades teóricas do contrato de aprendizagem, transferindo os custos de formação teórica da empresa para o aprendiz.

Segundo o estudo, essas mudanças podem alterar o perfil do aprendiz contratado, já que a maior parte dos aprendizes com contratos vigentes hoje no país estão cursando o nível fundamental da educação básica. Com o novo regramento as empresas privilegiam a contratação de jovens que já tenham arcado com a sua formação de nível superior. 

Além disso, o aumento do prazo do contrato de aprendizagem de dois para três anos ou a possibilidade de que o contrato seja prorrogado por até quatro anos reduzirão o alcance do número de adolescentes, jovens e pessoas com deficiência beneficiados pelo programa de aprendizagem, uma vez que as vagas ocupadas demorarão um ou dois anos a mais para serem desocupadas e preenchidas por outro adolescente/ jovem/ pessoa com deficiência, afirma o estudo. 

III- Cotas Fictícias (Art. 28 da MP 1.116/22)

A MP estabelece uma contagem em dobro do aprendiz em condição de egresso do sistema socioeducativo ou penal, de trabalho infantil, beneficiário do Auxílio Brasil ou sendo pessoa com deficiência para o cumprimento da cota de aprendizagem. Isto é, um aprendiz contratado que esteja em uma dessas categorias ocupará duas vagas de aprendizagem, podendo reduzir pela metade o número de aprendizes contratados.

A medida também determina que o aprendiz efetivado pela empresa ao final do contrato de aprendizagem continuará contando para a cota pelo período de 12 meses após o encerramento do contrato. Nesse aspecto, trata-se de uma contagem fictícia, pois, o aprendiz não será mais aprendiz e, ainda assim, continuará contando artificialmente para a cota.

IV - Jornada de trabalho do aprendiz (art. 28 da MP 1.116/22) 

Antes da medida provisória, o tempo de deslocamento entre o local de trabalho e o local de formação teórica do aprendiz era calculado em sua jornada de trabalho. Com a medida, esse tempo deixa de ser computado.

 

1,2 milhão de vagas extintas e uma urgência desnecessária

Em nota divulgada nesta sexta-feira, dia 25 de agosto, o SINAIT afirma que as mudanças na Lei de Aprendizagem impostas pelo Presidente Jair Bolsonaro, ao assinar a MP 1.116/22, poderão retirar do mercado de trabalho aproximadamente 1,2 milhão de vagas de aprendizes em todo o país, o que representa uma redução drástica do total de vagas existentes no programa. 

Para Katerina Volcov, secretária executiva do FNPETI, a Medida Provisória 1.116/22 precisa ser rejeitada pelo Congresso Nacional: “O contrato de aprendizagem surge como instrumento de qualificação profissional, que garante experiência prática, ambiente de trabalho seguro e protegido, remuneração mínima, direitos trabalhistas e previdenciários, horário de trabalho e tipo de atividades compatíveis às necessidades, habilidades e interesses dos adolescentes, afastando-os de qualquer forma de trabalho infantil”, afirma Katerina. 

Ainda segundo ela, “a aprendizagem profissional é uma das estratégias de erradicação do trabalho infantil e de proteção ao trabalhador adolescente. Contudo, como importante política pública de transformação social voltado às e aos adolescentes e jovens faz-se necessário avaliá-la de modo aprofundado, ouvindo todos os atores que trabalham com a temática e participam do enfrentamento ao trabalho infantil”, conclui Volcov.

Vale salientar que há uma Comissão Especial para tratar do aperfeiçoamento da aprendizagem profissional por meio do  PL 6461/19, que objetiva instituir o Estatuto do Aprendiz, o que inviabilizaria o caráter de urgência da MP 1.116/22.

 

Sobre o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI)

Criado em 1994, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil é uma estratégia da sociedade brasileira de articulação e aglutinação de atores sociais institucionais, envolvidos com políticas e programas de prevenção e erradicação do trabalho infantil no Brasil. Como instância autônoma de controle social, legitimado pelos segmentos que o compõem, coordena a Rede Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, formada pelos 27 Fóruns de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador e as 48 entidades-membro.

 Para mais informações: www.fnpeti.org.br  e/ou pelos (61) 3349.5660 e fnpeti@fnpeti.org.br.

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