Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil lança estudo sobre a situação do trabalho infantil doméstico no Brasil
Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil lança estudo sobre a situação do trabalho infantil doméstico no Brasil
Bahia, Minas Gerais, Pará e Paraná são os estados brasileiros que, juntos, concentram quase 52% do trabalho infantil doméstico de todo o país.
Brasília, 05 de outubro de de 2022 - Condições de trabalho condenáveis, com baixa remuneração ou até mesmo sem nenhum rendimento é o retrato da realidade que atinge mais de 80 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil doméstico no Brasil. Elaborado pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e divulgado hoje, o estudo “O Trabalho Infantil Doméstico no Brasil: análises estatísticas” apresenta as características das crianças e adolescentes envolvidas em trabalho infantil doméstico (TID), as características dos domicílios desse público, os tipos de TID exercidos por crianças e adolescentes, além dos rendimentos e possíveis benefícios governamentais de transferência de renda recebidos pela família da criança e/ou adolescente trabalhadora infantil doméstica no período entre 2016 e 2019.
Situação do trabalho infantil doméstico no Brasil
De acordo com o estudo, em 2016, o total de crianças e adolescentes trabalhadores infantis domésticos era de 107.539 mil, quantitativo que, em 2019, somava 83.624 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos.
Em 2019, o TID atingiu, na maioria dos casos identificados: meninas (85%), negras (70,8%) e adolescentes de 14 a 17 anos (94% do total). Essa predominância reflete e reproduz o modelo de organização familiar e a desigualdade entre gêneros.
As trabalhadoras infantis domésticas assumem diferentes funções. Os dados mostraram que as envolvidas em situação de TID eram, em geral, cuidadoras de crianças, trabalhadoras nos serviços domésticos em geral e trabalhadoras de cuidados pessoais a domicílio.
Em 2019, 48,6% das trabalhadoras infantis domésticas eram cuidadoras de crianças, 40,3% trabalhadoras dos serviços domésticos e 5,3% trabalhadoras nos cuidados pessoais a domicílio.
O peso das ocupações exercidas mostrou que o perfil do trabalho infantil doméstico foi diferente entre as Regiões. Enquanto nas Regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste o trabalho infantil doméstico era dedicado ao serviço de cuidados de crianças, nas Regiões Norte e Nordeste ele era mais caracterizado pelo serviço doméstico em geral.
Referente à remuneração, em 2016, as trabalhadoras infantis domésticas recebiam, em média, R$ 2,82 por hora de seu trabalho e trabalhavam aproximadamente 24,7 horas por semana. Em 2019, a remuneração média foi de R$ 3,10, para uma jornada de 22,2 horas. Porém, o rendimento por hora trabalhada foi distinto entre as Regiões: enquanto no Nordeste uma adolescente recebia R$ 1,86 por hora trabalhada, na Região Sudeste, a trabalhadora infantil doméstica recebia R$ 4,48.
O estudo também revelou que o TID era mais frequente em domicílios chefiados por pessoas com menor escolaridade: 63,3% do total de domicílios com trabalhadoras infantis domésticas eram chefiados por pessoas sem instrução ou com o nível fundamental incompleto. No Nordeste, 92,7% dos domicílios em que residiam as crianças e/ ou adolescentes em TID não possuíam instrução.
Além disso, a exposição ao TID foi maior entre as crianças e adolescentes em domicílios com renda per capita de até meio salário mínimo. Enquanto no Brasil, o percentual foi de 81%, as Regiões Norte e Nordeste alcançaram percentuais de 84,6% e 99,5%, respectivamente.
Embora o TID predominasse como a principal fonte de renda, os programas sociais e de transferência de renda mostraram ter um peso relevante. Cerca de 20% da renda nos domicílios em que residiam trabalhadoras infantis domésticas vinham de programas sociais e de transferência de renda.
Redução desigual pelo país
O estudo revela uma tendência de queda contínua, em termos absolutos, do contingente de crianças e adolescentes trabalhadoras infantis domésticas no Brasil. Porém, a redução de 22% entre 2016 e 2019 ocorreu de forma desigual pelo país. Algumas Regiões aumentaram o seu percentual, enquanto outras conseguiram reduzir ou manter estável a porcentagem de crianças e adolescentes envolvidas em TID.
O grau de vulnerabilidade e a exploração a que estavam expostas as trabalhadoras infantis domésticas nordestinas chamaram a atenção: apesar de ter reduzido de 34,5% em 2016 para 31,6% em 2019, do total de ocorrências, a Região Nordeste ainda possui a maior porcentagem de crianças e adolescentes em TID em comparação com as demais Regiões. Além disso, no Nordeste foram encontradas as remunerações mais baixas e as jornadas de trabalho mais longas.
Vale ressaltar a alta incidência de casos nos estados do Paraná (6,9%), Pará (9,2%), Bahia (16,4%) e Minas Gerais (19%) que, juntos, correspondiam a quase 52% do total de casos identificados em 2019.
Estudos sobre Trabalho Infantil Doméstico
Este é o terceiro estudo de análise estatística sobre o Trabalho Infantil Doméstico elaborado pelo FNPETI. A primeira publicação foi lançada em 2013, com dados de 2008 a 2013. A segunda versão veio em 2015 a partir dos microdados de 2012 e 2013. Ambos os estudos foram elaborados a partir da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios – PNAD/ IBGE. Em 2016, a PNAD foi substituída, com metodologia atualizada, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua, que propicia uma cobertura territorial mais abrangente e disponibiliza informações conjunturais trimestrais sobre a força de trabalho.
O TID compõe, no Brasil, a lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Decreto Nº 6.481, 12/06/2008). Por ser uma atividade que está em âmbito privado e com obstáculos à sua fiscalização, herança da cultura escravocrata e da prática do racismo estrutural e estruturante das relações sociais no país, o TID expõe crianças e adolescentes a esforços físicos intensos, isolamento, abuso físico, psicológico e sexual entre outras violações de direitos.
Segundo Katerina Volcov, Secretária Executiva do FNPETI, é importante que os dados sejam permanentemente atualizados para um monitoramento eficiente. “Novos estudos sobre um mesmo problema, no caso, o trabalho infantil doméstico, permitem identificar mudanças, tendências e padrões nas Regiões e nas relações de trabalho, bem como no perfil das crianças e das adolescentes envolvidas nesse tipo de atividade que é uma das piores formas de trabalho infantil. A partir desses dados, é possível observar se as políticas públicas existentes oferecem condições de solucionar o problema ou se são necessárias novas estratégias e planos de ação ao seu enfrentamento”, afirma Katerina.
De acordo com a especialista, o trabalho infantil doméstico é um trabalho invisibilizado, que ocorre dentro de uma lógica colonial ainda presente em nosso país, sendo que, em boa parte dos casos, é ainda visto como uma oportunidade e não como uma violação de direito da criança ou da adolescente envolvida. “É preciso que Estado, sociedade civil organizada, comunidade e as famílias possam encontrar formas de erradicação do TID. Exige reflexão sobre melhores condições de vida das famílias envolvidas, ou seja, que sejam também observadas as políticas de cuidado e de geração de renda às famílias e políticas de atendimento e proteção à infância, à adolescência e à juventude brasileiras”, conclui Katerina.
O relatório foi desenvolvido por Guilherme Silva Araújo, Mestre em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e está disponível no seguinte link:
https://fnpeti.org.br/media/publicacoes/arquivo/O_trabalho_infantil_dom%C3%A9stico_no_Brasil_-_an%C3%A1lises_e_estatisticas.pdf
ERRATA
O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil divulgou que o percentual de crianças e adolescentes negras identificadas em situação de trabalho infantil doméstico no Brasil era de 75%. Na verdade, são 70,8% em âmbito nacional. A informação foi corrigida dia 11/10, as 12h21.
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Sobre a PnadC – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC)
Trata-se de um levantamento realizado a partir de amostras de domicílios com o objetivo de propiciar à comunidade e aos formuladores de políticas um panorama das condições sociais, demográficas e econômicas da sociedade brasileira.
A partir de visitas mensais a uma fração dos domicílios brasileiros, o termo “contínua” configura a característica longitudinal da pesquisa, em que um domicílio é entrevistado por até cinco trimestres consecutivos, e o trabalho de crianças e adolescentes de 5 a 13 anos faz parte das características suplementares investigadas nos domicílios em que a quinta (e última) visita é realizada. O contingente de crianças e adolescentes com idades entre 14 e 17 anos em situação de trabalho é observado em caráter permanente.
Sobre o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI)
Criado em 1994, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil é uma estratégia da sociedade brasileira de articulação e aglutinação de atores sociais institucionais, envolvidos com políticas e programas de prevenção e erradicação do trabalho infantil no Brasil. Como instância autônoma de controle social, legitimado pelos segmentos que o compõem, coordena a Rede Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, formada pelos 27 Fóruns de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador e as 48 entidades-membro.
Para mais informações: www.fnpeti.org.br e/ou pelos (61) 3349.5660 e fnpeti@fnpeti.org.br e comunicacao@fnpeti.org.br