
A expansão das plataformas digitais e do mercado online transformou profundamente a forma como crianças e adolescentes interagem com as telas e o trabalho. Hoje, o fenômeno se manifesta em transmissões ao vivo, competições de esportes eletrônicos, conhecidos também como e-sports, criação de conteúdo, “empreendedorismo mirim” e até nas mais graves violações, como a exploração sexual infantil online. Apesar de novos formatos, os riscos permanecem os mesmos: jornadas extenuantes, pressão por desempenho e por curtidas, exposição a conteúdos nocivos e violação de direitos.
O vídeo do influencer Felca, repercutido por Katerina Volcov, secretária-executiva do FNPETI, trouxe à tona a problematização da ausência de infância – ou como o influenciador denominou, adultização precoce — quando se atribuem responsabilidades, pressões e comportamentos adultos às crianças e aos adolescentes. Essa lógica está presente tanto em reality shows e concursos, quanto em perfis de influenciadores(as) mirins que transformam a infância em vitrine e produto.
Como um espaço de imaginário e fantasia e em um contexto de vulnerabilidade e fragilidade de direitos, a internet tem proporcionado expectativas de benefícios, status e renda às crianças e adolescentes
“Se antigamente as crianças sonhavam em ser jogadores (as) de futebol, hoje,influenciadores infantis digitais, coachs mirins e jogadores (as) de esportes eletrônicos, entre outras modalidades de trabalho infantil em plataformas digitais parecem ser o novo sonho de crianças e adolescentes”, observa Katerina.
Segundo o Manual do Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre Esportes Eletrônicos e a Proteção de Crianças e Adolescentes, o mercado de esportes eletrônicos já movimenta cifras bilionárias. Globalmente, a receita com videogames deve atingir US$ 312 bilhões até 2027, enquanto no Brasil a previsão é de US$ 2,8 bilhões em 2026. Nesse cenário, crianças e adolescentes, muitas vezes em busca do “sonho” de se tornarem pro players, submetem-se a rotinas de treino que variam entre 8 e 15 horas por dia, seis vezes por semana, em regimes semelhantes ao confinamento, como nas chamadas gaming houses.
O manual alerta que essas condições podem levar a danos físicos, emocionais e sociais — desde lesões por esforço repetitivo até problemas de sono, isolamento e impacto no rendimento escolar. Relata também que, diferente de esportes tradicionais, os esportes eletrônicos não impõem barreiras físicas que retardem a entrada no mercado. Isso favorece a “profissionalização” informal e precoce, muitas vezes antes da maioridade, sem maturidade emocional para lidar com a pressão da indústria, contratos e exposição pública.
Além disso, práticas como as “peneiras” para seleção de jogadores — presenciais ou online — costumam ser voltadas a adolescentes e, em alguns casos, chegam a cobrar taxas de inscrição, o que é proibido pela legislação desportiva. Muitas dessas seleções de jogadores eletrônicos oferecem apenas “período de treinamento” sem remuneração, o que pode configurar exploração de trabalho infantil.
No campo do chamado “empreendedorismo mirim”, as redes sociais incentivam crianças a vender produtos, criar marcas e produzir conteúdo com fins comerciais. O FNPETI observa que quando há periodicidade, frequência, exploração da imagem, geração de renda e pressão por resultados, a atividade pode configurar trabalho infantil, mesmo quando mascarada de aprendizado ou diversão.
Um dos riscos mais graves, entretanto, está na exploração sexual online, reconhecida como uma das piores formas de trabalho infantil. Plataformas digitais e aplicativos de mensagens são utilizados para aliciamento, troca e comercialização de imagens e vídeos. Muitas vezes, nesses ambientes, a exploração sexual está disfarçada de propostas de parcerias ou convites para supostos trabalhos artísticos às (aos) adolescentes.
Para Katerina Volcov, “o mundo digital não pode ser um espaço livre para a exploração da infância. É preciso reconhecer que curtidas, seguidores e patrocínios não justificam a perda de direitos, a sobrecarga emocional e o apagamento do brincar”. Além disso, segundo a secretária, é fundamental que se observem as distintas categorias de trabalho infantil digital. “Não podemos igualar o que um artista infantil faz com o que um influenciador infantil digital desempenha em redes sociais. O trabalho infantil artístico é completamente distinto do que um influenciador mirim faz, bem como o que um coach mirim desempenha ou mesmo um jogador de esporte eletrônico. Cada uma dessas atividades possui características e modos de trabalho distintos, ainda que estejam sendo desempenhadas em uma mesma plataforma online”, ressalta
O FNPETI reforça que prevenir e erradicar o trabalho infantil na internet exige atualização das leis e normativas, fiscalização e responsabilização qualificadas e controle social da sociedade.