
Brasília, 19 de setembro de 2025 – O Brasil fechou o ano de 2024 com 1,650 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil. Os dados são do módulo experimental da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) – Trabalho de Crianças e Adolescentes 2024, divulgada pelo IBGE, e revelam um cenário alarmante: são 34 mil crianças a mais do que no ano anterior. Apesar da tendência de queda que vinha sendo observada desde 2016, o levantamento mostra que o problema persiste com gravidade, atingindo especialmente adolescentes negros e pobres.
O estudo indica que os adolescentes de 16 a 17 anos concentram a maior proporção de casos. Nessa faixa etária, 15,3% estavam em situação de trabalho infantil em 2024, contra 14,7% em 2023. Em muitos casos, esses jovens cumprem jornadas equivalentes às de adultos: mais de 30% deles trabalham 40 horas semanais ou mais e quase metade (49,2%) trabalha pelo menos 25 horas semanalmente.
O impacto do trabalho infantil sobre a educação é direto. Entre adolescentes de 16 e 17 anos em situação de trabalho infantil, a taxa de frequência escolar é de 81,8%: quase 10% a menos daqueles que não trabalham (90,5%). Para a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção a Adolescentes no Trabalho (FNPETI), Katerina Volcov, esses números evidenciam como o trabalho precoce interrompe trajetórias educacionais e perpetua ciclos de pobreza. “Quando uma criança ou um adolescente abandona a escola porque precisa trabalhar, ela não apenas perde direitos. Perde também as oportunidades de romper com as desigualdades e as injustiças sociais”, afirma.
Como um traço estrutural do problema, a desigualdade racial permanece: 66% das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil são pretos ou pardos, mais do que o dobro do percentual registrado entre brancos. O recorte de gênero também chama atenção, já que dois em cada três trabalhadores infantis são meninos. O IBGE identificou ainda um crescimento de 5,4% no número de meninos em relação a 2023, enquanto entre as meninas houve queda de 3,9%.
Outro ponto crítico é a persistência das piores formas de trabalho infantil, classificadas pela chamada Lista TIP. Mesmo com a redução em relação ao ano anterior, ainda há mais de meio milhão de crianças e adolescentes submetidos a atividades perigosas e degradantes. “Não há como naturalizar esse dado. Mais de 560 mil meninas e meninos seguem expostos a riscos que atentam contra sua saúde, sua dignidade e seu desenvolvimento. É uma violação gravíssima de direitos humanos”, reforça Volcov.
Regionalmente, os contrastes também são expressivos. O Nordeste e o Sul foram as Regiões que mais registraram aumento do trabalho infantil em 2024, com altas de 7,3% e 13,6%, respectivamente. Já o Norte, embora tenha apresentado queda no número absoluto, continua sendo a Região com maior proporção (6,2%) da população de 5 a 17 anos nessa condição.
Os dados do IBGE reforçam ainda a vulnerabilidade das famílias mais pobres. Crianças e adolescentes que vivem em domicílios beneficiados pelo Bolsa Família apresentam maior prevalência de trabalho infantil (5,2%) em comparação com a média nacional da população de 5 a 17 anos (4,3%).
Além disso, os dados recentes obtidos pelo FNPETI junto ao Ministério da Saúde mostram que, durante o ano de 2024, foram registrados 5.805 acidentes de trabalho com crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos - uma média de 15 acidentes por dia. Os maiores indicadores gerais foram registrados nas ocupações como operadores do comércio em lojas e mercados e, entre crianças e adolescentes até os 15 anos, na ocupação como trabalhadores agropecuários em geral. Ou seja, o trabalho infantil afeta diretamente à saúde de crianças e adolescentes.
O FNPETI alerta que os resultados da PNAD Contínua Experimental merecem atenção e que a subnotificação de casos exige alerta, sobretudo pelo fato de que os números não contemplam a exploração sexual de crianças e adolescentes, o trabalho infantil na cadeia produtiva de drogas ilícitas, a mendicância e o trabalho exercido por crianças e adolescentes que estão em situação de rua – todas consideradas piores formas de trabalho infantil- além da exploração do trabalho infantil em plataformas digitais.
"É preciso intensificar a fiscalização e investir em recursos para as políticas e programas de promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, além daquelas voltadas à proteção social das famílias, principalmente, nos territórios mais vulnerabilizados. Pelos dados apresentados, o cumprimento das cotas de aprendizagem profissional se torna fundamental, nesse momento, a fim de oportunizar que adolescentes com idade permitida para o trabalho tenham direitos garantidos. Sem isso, estaremos condenando milhões de brasileiros a uma vida de exclusão e violações de direitos”, conclui Volcov.