Faltando pouco para o encerramento do ano de 2025, o Brasil chega sem alcançar a Meta 8.7 da Agenda 2030 da ONU, que prevê a erradicação do trabalho infantil em todas as suas formas até este ano.
Apesar dos avanços e dos esforços institucionais, a realidade nos territórios mostra que os desafios persistem — e, em alguns contextos, se agravaram.
Alguns Fóruns Estaduais de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, em diálogo com o Fórum Nacional avaliaram os entraves e caminhos possíveis diante desse cenário. As contribuições revelam a complexidade do tema e a necessidade de novas reflexões e estratégias para o próximo ciclo de políticas públicas.
Desigualdades persistentes e naturalização do trabalho infantil
Para o Fórum Estadual de Mato Grosso (FEPETI-MT), os obstáculos que impedem a erradicação do trabalho infantil vão além da esfera econômica. São fatores individuais, familiares, sociais, culturais e regionais que mantêm o problema enraizado. “As desigualdades sociais e regionais e a naturalização do trabalho infantil em algumas comunidades continuam sendo grandes desafios”.
Em Mato Grosso, as ações vêm se concentrando em campanhas de sensibilização e na formação de profissionais das redes socioassistenciais para identificar e combater o trabalho infantil. Também estão em curso estratégias para reduzir a subnotificação, com oferta de serviços continuados e integrados, programas de transferência de renda, inclusão produtiva das famílias e diagnósticos regionais.
O Fórum ressalta que o enfrentamento precisa ser conjunto, envolvendo poder público, sociedade civil, setor privado e comunidades. “A erradicação do trabalho infantil exige um esforço compartilhado e permanente”.
No Rio de Janeiro, o desafio é enxergar o que não aparece. O Fórum Estadual destaca que o estado apresenta uma das menores incidências proporcionais de trabalho infantil do país, segundo levantamentos oficiais.
Ainda assim, há grandes lacunas de informação sobre as piores formas de trabalho infantil, como a exploração sexual, o trabalho doméstico e as atividades ligadas ao tráfico de drogas. “Essa subnotificação impede uma compreensão plena do problema e dificulta tanto a formulação quanto a execução de políticas públicas eficazes”.
No contexto urbano e metropolitano, o trabalho infantil está associado à informalidade, à pobreza e às desigualdades históricas. Para o FEPETI-RJ, erradicar o trabalho infantil no estado requer um esforço articulado e contínuo entre governos, sociedade civil e organismos internacionais — com base em dados reais e políticas efetivas.
Na Paraíba, a pobreza, o desinvestimento e o retrocesso da proteção são pontos de atenção. O FEPETI-PB alerta para os impactos diretos da crise econômica e da pandemia de COVID-19 sobre o aumento da pobreza e da vulnerabilidade social. “O aumento do número de famílias em situação de pobreza durante a pandemia e o desinvestimento em programas e serviços específicos que enfrentem o trabalho infantil têm provocado a inserção precoce de crianças e adolescentes no trabalho”.
O cenário revela que o enfrentamento ao trabalho infantil tem perdido prioridade nas políticas públicas, o que se reflete no crescimento dos casos. Retomar o financiamento e o fortalecimento das políticas sociais é fundamental. Entre os caminhos apontados estão a geração de renda e trabalho para as famílias; o fortalecimento da escola como espaço de suporte e desenvolvimento; e a inserção de adolescentes em atividades de trabalho decente e protegido, especialmente por meio da aprendizagem profissional.
Em Rondônia há falta de auditores e desafios estruturais na fiscalização. No estado o principal entrave apontado é a falta de recursos humanos na fiscalização do trabalho. Segundo o representante do Fórum Estadual o número reduzido de auditores fiscais tem limitado a capacidade de atuação direta e a articulação com a sociedade. “Um dos principais fatores é a questão do reduzido quadro de auditores, porque isso diminui a possibilidade de articulação com a sociedade. (...) Quem está em campo fazendo o trabalho de retirada de crianças e adolescentes de condições indignas é a fiscalização do trabalho, e hoje nós temos pouquíssimos auditores em atuação. Já fomos 51; hoje, efetivamente, temos apenas seis auditores na rua”.
A dificuldade de deslocamento e de estrutura também afeta o acompanhamento das ações e a realização de campanhas regionais.
Ainda assim, o Fórum mantém o compromisso de articular audiências públicas e debates para consolidar um plano estadual de erradicação do trabalho infantil, fortalecendo a rede de proteção e a atuação conjunta com o Ministério Público do Trabalho e outras instituições.
Desafios comuns, realidades diversas
As contribuições dos Fóruns revelam que, embora os contextos regionais variem, há pontos em comum que explicam o não cumprimento da Meta 8.7:
Desigualdades sociais e regionais;
Naturalização do trabalho infantil;
Subnotificação dos casos;
Falta de dados atualizados e desagregados;
Fragilidade das políticas de proteção social;
Redução da capacidade de fiscalização.
Além disso, as novas modalidades de exploração infantil, especialmente nas plataformas digitais e na economia informal, desafiam as formas tradicionais de identificação e fiscalização.
Para o Fórum Nacional, as ações pontuais e descontinuadas, a redução do orçamento e desarticulação intersetorial continuam sendo obstáculos à erradicação do trabalho infantil, para além dos pontos listados pelos fóruns estaduais. Assegurar financiamento público permanente, criar e institucionalizar políticas públicas para as crianças com mais de 7 anos de idade e para adolescentes de modo permanente, promover campanhas de sensibilização permanentes e integrar ações entre os setores são pontos estratégicos ao enfrentamento do trabalho infantil.
Reflexões para o futuro: o pós-2025 e o compromisso renovado
Com o fim do prazo estabelecido pela Agenda 2030, o desafio agora é redefinir estratégias e fortalecer compromissos.
Para o FNPETI, é necessário reconhecer os avanços, mas também encarar com transparência as lacunas que persistem. “Erradicar o trabalho infantil é uma meta que exige constância, investimento e engajamento de toda a sociedade. O Brasil não pode retroceder”, destaca, Katerina Volcov, Secretaria Executiva do FNPETI.
O Fórum Nacional reforça que a erradicação do trabalho infantil deve estar no centro da agenda do trabalho decente, com ênfase em políticas integradas de proteção social, combate à pobreza e acesso à educação de qualidade.
O momento é de reafirmar o compromisso com a infância, ampliando o diálogo entre os Fóruns locais, governos e instituições de controle social.
Um novo ciclo de compromissos
O FNPETI continuará mobilizando e apoiando os Fóruns Estaduais e Distrital na construção de estratégias regionais para fortalecer o enfrentamento ao trabalho infantil no pós-2025.
A erradicação do trabalho infantil é mais do que uma meta internacional — é um compromisso ético e social com o futuro das crianças e adolescentes brasileiros.
