Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o Brasil é convidado a refletir sobre as heranças da escravidão e as desigualdades que ainda marcam a vida da população negra. No campo da infância e adolescência, essa reflexão é urgente: o trabalho infantil tem cor.
De acordo com dados analisados pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção a Adolescentes no Trabalho (FNPETI), crianças e adolescentes pretos e pardos representam a maioria das vítimas de trabalho infantil no país. O fenômeno revela como o racismo estrutural continua determinando quem tem acesso a direitos, proteção e oportunidades.
Desigualdade com números e rostos
O FNPETI tem apresentado em suas análises dos microdados das últimas PNADs Contínuas (2022 e 2024) o quão alarmante são os dados relacionados ao Trabalho infantil no recorte de raça/cor, e em sua última análise, mostra que a cada 10 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, 6 são negras (pretas ou pardas). São quase 1 milhão de meninos e meninas negras em atividades econômicas ou de subsistência, número muito superior ao de crianças brancas.
Os dados confirmam o que já vinha sendo apontado em anos anteriores: a cor da pele é um marcador de vulnerabilidade.
Em 2019, o IBGE registrava que 66,1% das vítimas de trabalho infantil eram pretas ou pardas, e esse padrão se mantém.
“O trabalho infantil no Brasil é atravessado por desigualdades históricas e raciais. É impossível falar em erradicação do trabalho infantil sem enfrentar o racismo estrutural que o sustenta”, destaca a Secretaria Executiva do FNPETI.
Raça e pobreza: a herança que ainda pesa
As causas dessa desigualdade são profundas e multifatoriais. As marcas da escravidão e a ausência de políticas reparatórias consolidaram um ciclo em que as famílias negras têm menor renda média, maior informalidade no trabalho e acesso desigual à educação e serviços públicos.
Essa realidade empurra meninos e meninas negras para o trabalho precoce, seja nas ruas, na agricultura, no comércio informal ou nos afazeres domésticos.
As meninas negras, em especial, estão mais expostas ao trabalho infantil doméstico, uma das piores formas de exploração infantil, segundo a Lista TIP.
“Há uma combinação perversa entre raça, gênero e pobreza. O trabalho infantil doméstico, por exemplo, ainda recai majoritariamente sobre meninas negras — uma expressão viva do racismo e do sexismo na sociedade brasileira”, observa o FNPETI em sua análise publicada em 2024.
O olhar do FNPETI sobre o racismo e a infância
Desde sua criação, o FNPETI tem denunciado as desigualdades raciais na infância e a ausência de políticas públicas com recorte racial.
Entre as principais iniciativas e posicionamentos do Fórum estão:
Análises e publicações com recorte racial: o FNPETI evidencia, em seus estudos, a correlação direta entre cor, gênero e incidência do trabalho infantil, defendendo que as políticas de erradicação adotem abordagem interseccional e intersetorial;
Notas públicas e campanhas nacionais: em diversas edições do Dia Mundial e Nacional contra o Trabalho Infantil (12 de junho), o Fórum reforça a importância de considerar raça e gênero na elaboração de políticas públicas;
Produção de conhecimento técnico: em 2022 e 2024, o FNPETI lançou análises detalhadas dos microdados da PNAD Contínua, mostrando como a desigualdade racial permanece um dos principais fatores de risco;
Incidência política e articulação institucional: o Fórum participa de debates e grupos de trabalho que conectam as agendas de igualdade racial, infância e trabalho decente, dialogando com o governo federal, organismos internacionais e fóruns estaduais e Distrital.
Consciência Negra é também consciência da infância negra
Celebrar o Dia da Consciência Negra é, também, reconhecer a urgência de proteger as crianças e adolescentes negras — que enfrentam múltiplas violências cotidianas: racismo, pobreza, negação de direitos e, muitas vezes, o trabalho precoce.
O FNPETI destaca que a erradicação do trabalho infantil no Brasil exige uma ação integrada entre as políticas de infância, assistência social, educação, igualdade racial e geração de renda às famílias.
“O trabalho infantil também é uma questão racial. Sem enfrentar o racismo, não haverá infância plena para todas as crianças”, reforça o Fórum em suas campanhas.
Caminhos para uma infância livre e igualitária
Entre os desafios apontados pelo FNPETI estão:
Ampliar o monitoramento de dados com recorte racial e de gênero;
Fortalecer programas de transferência de renda e inclusão educacional voltados às famílias negras;
Investir em campanhas de sensibilização sobre os efeitos perversos do racismo e que mostrem que “o trabalho infantil tem cor”;
Garantir que a aprendizagem profissional seja instrumento de inclusão e não de reprodução de desigualdades;
Garantir que as políticas de infância considerem o recorte racial, desde o combate ao trabalho infantil até o acesso a educação, saúde, lazer e moradia digna;
Fortalecer os órgãos e conselhos de promoção da igualdade racial e os mecanismos de denúncia e reparação em casos de discriminação;
Ampliar programas de transferência de renda e inclusão social que reduzam as desigualdades históricas que atingem famílias negras.
Compromisso permanente
O FNPETI reafirma seu compromisso com a construção de uma sociedade livre do trabalho infantil e de todas as formas de discriminação racial.
No Dia da Consciência Negra, a mensagem é clara: erradicar o trabalho infantil é também combater o racismo estrutural que priva as crianças negras o direito de sonhar, brincar e aprender.
