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O Avesso da Infância: o retrato da informalidade na cidade de Maceió

O trabalho infantil constitui uma das expressões da questão social na atualidade. Apesar dos anúncios de sua redução, a questão persiste em suas piores formas. Várias são as causas atribuídas à sua persistência: situação de pobreza da família, questões de ordem cultural, ou mesmo a ausência de políticas públicas efetivas. Antes do processo de industrialização, este tipo de atividade já existia na própria família, porém na atualidade assume características de exploração. A criança ocupada, além de gastar suas energias vitais no trabalho, tem o rendimento escolar reduzido. A inserção precoce no mercado de trabalho e a consequente evasão escolar também criam impedimentos a uma futura inserção qualificada no mercado de trabalho.

 

A partir do exposto, sentimos a necessidade de realizar uma pesquisa empírica acerca do trabalho infantil no município de Maceió, com ênfase nas atividades informais desenvolvidas pelos infantes no entorno dos mercados e feiras livres da cidade de Maceió. A presente pesquisa surgiu a partir de uma demanda colocada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), através da Procuradoria Regional do Trabalho (PRT) da 19ª Região ‒ Maceió, por ocasião da implantação do Programa MPT na Escola: de mãos dadas contra o trabalho infantil.

 

Identificamos nas escolas, 522 casos de crianças e adolescentes em situação de trabalho. Os bairros com maior ocorrência foram: Jacintinho, Benedito Bentes, Vergel do Lago, Pontal da Barra e Tabuleiro dos Martins. Mas também chama atenção o número de adolescentes em situação de trabalho em escolas situadas nos seguintes bairros: Cidade Universitária, Rio Novo, Fernão Velho, Pontal da Barra, Saúde, Serraria  e Santa Lúcia. Trata-se de bairros periféricos, com altos índices de violências, cujas famílias sobrevivem com renda inferior ao salário mínimo mensal. Dependem de transferências de renda efetuadas pelo Governo Federal para garantir o mínimo se sobrevivência.

 

Os trabalhadores são meninos, negros, na faixa etária de cinco a 14 anos. Cursam o ensino fundamental e conciliam trabalho, escola, afazeres domésticos e cuidados de pessoas. Muitos provavelmente estão na lista de infrequentes ou em situação de distorção de idade-série. Os alunos do EJAI representam 3,4% dos jovens com idade entre 15 e 17anos. Registra-se que durante a pesquisa a taxa de infrequência foi alta, especialmente nos dias em que foram realizadas as visitas nas escolas que ofertam essa modalidade de ensino.

 

Entre as atividades prevaleceram as tradicionais, vinculadas ao setor de serviços, consideradas como porta de entrada para o mercado de trabalho (comércio ambulante, serviços domésticos, automotores, artesanato); em seguida, as atividades elementares relacionadas à construção civil (pintor de paredes, ajudante de pedreiro, carregador de areia e/ou tijolos, fabricação de gesso). E por fim, marisqueiro, pescador, cuidador de cavalos, de gados, porcos, colheita de frutas. Geralmente as atividades são desenvolvidas nos finais de semana ou no contra turno escolar. No geral, as jornadas semanais são de 15,68 horas, e os rendimentos de R$, 49,29. Apesar de termos listados 522 casos, muitos desenvolvem três ou mais atividades fora de casa, como eles afirmam: “a gente faz o que dá”

 

Consequências nefastas

 

O exercício de atividades laborais, além de comprometer o desenvolvimento escolar, pode trazer agravos à saúde dos infantes, especialmente quando estas ocorrem nas suas piores formas. De acordo com a Cepal (2018), em 2015 mais de 2 milhões de crianças e adolescentes entre quatro e 17 anos estavam fora da escola. E quase 6,5 milhões de estudantes da Educação Básica pública, em 2018, apresentavam distorção idade-série no país, ou seja, com dois ou mais anos de atraso escolar. Uma realidade que pode tomar grandes dimensões num município como Maceió.

 

A utilização de crianças e adolescentes em atividades laborais está diretamente relacionada às transformações ocorridas no mundo do trabalho. Estas desencadearam o desemprego estrutural, a precarização e a informalidade, além de gerar o aumento da pobreza e das desigualdades sociais. Todas essas mudanças têm afetado diretamente a família na sua totalidade, contribuindo para a reprodução do trabalho infantil ‒ seja nas ruas, seja nas feiras livres ou na unidade produtiva familiar.

 

 

Fonte : elaboração própria

 

Um cenário desolador que se reproduz entre várias gerações de trabalhadores. São vidas desprovidas de direitos, afetos e proteção. Apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente ter completado 29 anos de existência, essa realidade persiste e nos persegue, desde o período colonial.

 

Maceió (AL), setembro de 2019