Salvador/BA - DRT quer tirar crianças das sinaleiras
No primeiro dia de fiscalização 15 crianças foram abordadas. Entre elas, estava J. V., 9 anos. Matriculado na 3ª série da Escola Municipal Risoleta Neves, o pequeno estava longe da escola na manhã de ontem. "Não fui porque amanheceu chovendo", justifica. O menino, que aprende a lei da sobrevivência limpando vidros de carros nas sinaleiras, vê ficar cada vez mais distante um dos poucos sonho da infância sofrida. "Queria ser médico, mas tenho que trabalhar, senão todo mundo lá em casa morre de fome", conta o morador da Travessa da Jequitaia, nº 125 - Saramandaia. Como ele, mais dois dos oito irmãos passam o dia nas sinaleiras vendendo balas. "Minha mãe está desempregada e meu pai é biscateiro", resume o garoto que, como tantos outros, é vítima da realidade social do país.
Companheiro de jornada debaixo do sol quente, F.O., 11 anos, conta trabalhar nas sinaleiras há cinco anos. "Ele sustenta a casa", constata o vizinho Sidnei José Arcanjo, que há um ano teve que aderir ao rodo de limpeza ao ficar desempregado. "A gente mora na mesma rua. Sei que ele está aqui desde pivete. Eu que conheço a dureza deste trabalho, sei que aqui não é lugar para criança", avalia Arcanjo, apontando como maior dificuldade ter que lidar com a incompreensão dos motoristas que, por vezes, até agridem. Assustado e falando pouco, F.O. contou que abandonou os estudos na 2ª série. "Ou faltava aula ou faltava comida dentro de casa", resume.
Acostumada a ter como companheiros de jornada muitas crianças, a ambulante Ana Valdicélia da Silva se incomoda com a situação. "Criança tem é que estudar para ter um futuro melhor. Se não, vão continuar repetindo a mesma história dos pais", fala a mãe, que apesar de enfrentar as mesmas dificuldades financeiras se orgulha de poder manter as duas filhas na escola. "Graças a Deus minhas filhas estudam. Lá em casa, quem trabalha sou eu".
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Peti tem 126 mil cadastrados na Bahia
O objetivo do trabalho de fiscalização realizado pela DRT é conscientizar a população e cadastrar crianças de rua para inseri-las em programas como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Atualmente, a Bahia tem 126.418 mil crianças e adolescentes cadastrados no programa, que está sendo executado em 113 dos 417 municípios do estado. Salvador é a capital com a maior número de beneficiados: 8.933. "Tentamos mostrar para as crianças que elas deveriam estar na escola, brincando, longe da violência das ruas e das drogas", explica Zemer Andrade, auditor fiscal do trabalho da DRT e coordenador do Núcleo de Apoio a Programas Especiais (Nape).
Na capital, o foco da fiscalização é o trabalho informal, que absorve a mão-de-obra infantil nas sinaleiras, feiras livres, bares e ruas da cidade. O trabalho de conscientização iniciado ontem no Iguatemi seguirá sendo realizado até sexta em outros bairros, a exemplo da Calçada, Pituba, Itaigara, Rio Vermelho e Ogunjá. No interior e na zona rural, 20 fiscais da DRT combaterão, além do trabalho informal, a colocação de crianças no mercado de trabalho formal.
"De qualquer modo é proibido, mas no caso do trabalho formal, em que há a figura do empregador, podemos aplicar as penalidades administrativas previstas e encaminhar ao Ministério Público Estadual", explica Andrade. A infração aos dispositivos legais, que se referem a trabalho de crianças e adolescentes, lei prevê multas de R$ 402,53 por trabalhador menor de 16 anos encontrado em situação irregular. O valor máximo de aplicação por empresa é de R$ 2.012,66. Se o empregador for reincidente, a multa máxima pode dobrar de valor.
Lembrando que a erradicação do trabalho infantil não depende apenas de reforço na fiscalização, o auditor fiscal do trabalho aponta como dificuldade valores defasados do auxílio garantido pelo Peti. A família que retira as crianças da rua e garante a sua permanência em jornada integral na escola recebe mensalmente R$ 40. No interior, a bolsa é de apenas R$25. "Este benefício está congelado há nove anos. O problema é que nas ruas, infelizmente, elas acabam ganhando mais dinheiro, mas perdendo o direito à educação e a um desenvolvimento saudável", conclui lembrando da necessidade da existência de políticas públicas para geração de emprego e renda.
Fernanda Carvalho
Correio da Bahia - 04-10-2005