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Reportagem sobre Trabalho Infantil no Tráfico de Drogas

Arte: FNPETI
Arte: FNPETI

Texto: Gracielle Reis, Luciana Gontijo

“Pegar um vento na cara de moto. Meu sonho é ter minha moto de novo. Se quisesse ir a algum lugar, a moto me levava. Qualquer lugar assim, Caxias, aqui por perto mesmo. Agora, a essa hora, eu queria tá na praia. Meu sonho era ter uma coisa maneira pra me distrair, passear, ir para um lugar que eu nunca fui. Queria ir pra Niterói, Bahia, ir de avião e comer aquelas comidas…”

Conhecemos Darley em uma segunda-feira quente, no Mercadão de Madureira, entre as pausas de seu trabalho como frete. Aos 19 anos, ele já tem uma coleção de tristezas que deixa de lado ao nos contar seus sonhos. Criado no morro da Pedreira, zona norte do Rio, ele entrou no tráfico de drogas aos 14 anos, depois de muitas fugas da escola. À mãe, Ana Cristina Matos, explicou: “Ah, mãe, eu apanho de todo mundo. Vou fazer todo mundo me respeitar. Já que não respeitam de um jeito, vai ser de outro. Ainda vou ser um homem famoso”.

Como a maioria das crianças e adolescentes que se dedicam a uma das piores formas de trabalho infantil – de acordo com a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) –, Darley começou como “radinho” no morro. Ficava no alto observando se havia presença da polícia e fazia a ronda na comunidade. O trabalho lhe permitia vestir-se bem e sentir-se “respeitado” como prometeu à mãe. Três anos depois, em 2017, foi baleado durante uma incursão da polícia no morro. Passou por uma cirurgia arriscada, com a colocação de uma prótese na junção da perna esquerda com o quadril, e foi encaminhado, em seguida, para uma unidade socioeducativa, responsável pela execução de medidas aos adolescentes em conflito com a lei.

“[Os PMs] ficaram no hospital comigo e até dormiram lá mesmo. Eu dormi e eles ficaram lá me vigiando porque pensaram que alguém ia me buscar no hospital. Eles pensaram, assim, que pegaram um perigoso; pensaram que eu era um chefe, tipo um gerente, entendeu? No dia que eu rodei, era de menor.”

Nos seis meses que passou internado no Centro de Socioeducação Dom Bosco, ele não recebeu os cuidados médicos necessários – até hoje ele sente dores frequentes na perna enquanto trabalha de segunda a sábado no mercadão com jornada de 12 horas. Também não teve acesso à educação, apesar da obrigatoriedade de ensino nas internações prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ainda hoje guarda distância da escola, que nunca soube lidar com suas dificuldades de aprendizagem.

“Por que você não está estudando?” “Porque preciso do dinheiro, comprar minhas coisas, comprar um tênis. Se tivesse um trabalho para estudar à noite, dava pra mim. Aí eu ia ficar tranquilo, entendeu? Cansa ficar trabalhando todo dia, acordando cedo”, responde.

Darley faz parte dos 11,3 milhões de brasileiros acima dos 15 anos que são analfabetos, segundo dados de junho de 2019 do IBGE. Ele engrossa também outra estatística: a que relaciona evasão escolar com o trabalho infantil no tráfico. Segundo o responsável pela Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Rodrigo Azambuja, esse é um dos maiores fatores de risco, presente em maior escala entre os jovens de famílias mais pobres. A Síntese de Indicadores Sociais 2019 do IBGE aponta que 11,8% dos jovens mais pobres deixaram a escola sem concluir o ensino médio em 2018. Esse percentual é oito vezes maior do que entre os jovens mais ricos (1,4%).

Segundo o Dossiê Criança 2015, do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), as infrações por envolvimento com drogas correspondem a quase metade (43,3%) das autuações em flagrante de adolescentes de 12 a 17 anos, entre os anos 2010 e 2014. Esses dados são apenas indicativos; o número real de jovens nessa condição pode ser ainda maior. “Só é possível identificar infratores quando estes são autuados em flagrante nas delegacias que pertencem ao Sistema Delegacia Legal”, destaca o Dossiê Criança.

Para Darley, a participação como trabalhador infantil no tráfico significa, ainda hoje, uma dor constante na perna e um estigma difícil de se livrar. “Eu ficava vendo o pessoal assim todo arrumado, indo pro baile… daí foi tipo uma ilusão, tipo um negócio que chama. Foi um atraso de vida pra mim”, diz hoje.

Durante a ação policial na qual Darley foi atingido em 2017, ele perdeu dois amigos que também estavam no tráfico. Não foram os primeiros nem os últimos. A cena ainda se repete em sua mente. “Nesse dia, um amigo meu morreu do meu lado. Esse não tem nem como esquecer, volta e meia eu lembro. Coloquei a camisa dele e fiquei lembrando.”

O olhar tímido, a voz baixa, a perna que se arrasta, o calor e o cansaço não doem tanto quanto as lembranças amargas e a falta de perspectiva que ainda o acompanham. Se o tráfico lhe assegurava cerca de R$ 2 mil mensais, o trabalho diário transportando carga em um carrinho de mão no mercadão significa apenas R$ 300 por mês, sem carteira assinada. “Só não vale a pena por ser um negócio arriscado. Se não fosse o risco, todo mundo cai [no tráfico].”

Pesquisa elaborada pelo Observatório das Favelas sobre as novas configurações das redes criminosas após a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro (2018) revela que 62% dos entrevistados menores de idade envolvidos com o tráfico usavam o dinheiro para ajudar a família. O relatório aponta também maior incidência de crianças entre 10 e 12 anos no tráfico.

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