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O Brasil está distante de um novo Fundeb capaz de consagrar o direito à educação

Relatório lido na Comissão Especial do Fundeb apresenta graves recuos, avalia Campanha
Relatório lido na Comissão Especial do Fundeb apresenta graves recuos, avalia Campanha

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, parceira do FNPETI, divulgou, nesta quinta-feira (20), Nota Técnica sobre o substitutitvo à PEC 15/2015, que trata do Fundo de Manutenção Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). O texto foi apresentado em 18 de fevereiro na Comissão Especial da Câmara dos Deputados dedicada à matéria.

Na avaliação da Campanha e de seu Comitê Diretivo, "o Brasil está distante de um novo Fundeb capaz de consagrar o direito à educação".

Leia abaixo alguns trechos da Nota, assinada pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI):


Posicionamento público sobre o substitutivo da Dep. Profa. Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2015, que dispõe sobre o Fundeb permanente - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação. O texto foi apresentado em 18 de fevereiro na Comissão Especial da Câmara dos Deputados dedicada à matéria.


A rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação considera urgente a aprovação do novo Fundeb, mas manifesta discordância com três pontos estruturais do substitutivo de autoria da deputada Profa. Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO).

Objetivamente, o novo Fundeb deve ser  1) capaz de universalizar o direito à educação, 2) valorizar os educadores, 3) melhorar as condições de ensino-aprendizagem nas escolas públicas de educação básica, 4) promover justiça federativa e 5) consagrar o princípio da exclusividade de aplicação de recursos públicos em escolas públicas.

Em razoável medida, a minuta apresentada pela relatora da matéria em 18 de setembro de 2019 correspondia a essas demandas educacionais históricas. Contudo, o relatório lido na Comissão Especial do Fundeb no dia 18 de fevereiro de 2020 apresenta graves recuos.

Em primeiro lugar, a complementação da União proposta no relatório é insuficiente e maquiada. Em uma leitura desatenta do texto, parece uma boa medida: duplicar os recursos federais aplicados no Fundeb e dedicados à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). MDE é um conceito instituído no Art. 212 da Constituição Federal e regulamentado pelo Art. 70 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Em poucas palavras, MDE determina o que pode ser contabilizado como despesas educacionais dedicadas ao ensino. Se a duplicação dos recursos federais no Fundeb – portanto, em MDE – fosse um fato real, o relatório traria uma boa notícia, pois a complementação da União sairia do atual patamar de 10% para 20%.

Porém, ao incorporar o Salário Educação à complementação da União ao Fundeb, o relatório realiza, na prática, uma maquiagem, fruto de reunião liderada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

O Salário Educação é destinado, conforme os parágrafos 5º e 6º do artigo 212 da Constituição Federal, àquilo que não é MDE, mas é essencial ao acesso, permanência e aprendizagem dos estudantes. Assim, o objetivo dessa contribuição social é garantir o financiamento a despesas imprescindíveis, mas não cobertas pela manutenção e desenvolvimento do ensino, como é caso dos programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social;

Desse modo, caso seja aprovado o substitutivo conforme a redação de 18 de fevereiro, o que irá ocorrer é uma utilização de recursos de programas essenciais à participação da União no sistema de fundos, desresponsabilizando ainda mais o Governo Federal com o financiamento adequado da educação básica.

Com isso, o texto coloca em risco orçamentário programas essenciais, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE). A consequência prática é que Estados e Municípios terão que utilizar os recursos do próprio Fundeb para custear programas hoje financiados diretamente pelo Salário Educação, neutralizando assim o potencial de ampliação da complementação ao Fundeb. Em outras palavras, as redes públicas permanecerão asfixiadas e os estudantes da educação básica pública continuarão sendo prejudicados.

Embora a relatora e consultores legislativos justifiquem que o texto cria um anteparo aos programas suplementares, sabe-se que ele não é seguro, tampouco suficiente. Portanto, para a consagração do direito à educação, é preciso que a complementação da União seja feita com recursos novos, sem incorporar o Salário Educação. E isso é possível com prioridade orçamentária, utilização de receitas petrolíferas e destinação adequada das sobras oriundas da perversa Emenda à Constituição 95/2016, que estabeleceu o draconiano teto dos gastos públicos federais até 2036.

Em segundo lugar, no relatório, a imprescindível constitucionalização do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) está pautada na temerária expressão “condições indispensáveis de oferta”. Sem qualquer base técnica e jurídica, a expressão – em vez de colaborar – desqualifica e contradiz o conceito constitucional de padrão mínimo de qualidade, determinado pela Emenda à Constituição 14/1996, que instituiu o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério).

A questão aqui é bastante simples: “condições indispensáveis de oferta” institucionalizará a precarização, pois determinará que as escolas públicas podem funcionar apenas com o irrisório: lousa, giz e professor, por exemplo. Novamente os conceitos da LDB são ignorados. No inciso IX do art. 4º, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determina que é dever do Estado garantir: “X - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”.

Além disso, o relatório ignora o convencionado pelas estratégias 20.6, 20.7, 20.8 e 20.10 da Lei 13.005/2014, que estabeleceu o Plano Nacional de Educação (PNE). Segundo a lógica do PNE, o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) corresponde à demanda do inciso VII do art. 206, que determina como princípio do ensino a “garantia de padrão de qualidade”. O Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) corresponde ao padrão mínimo de qualidade do art. 211. Portanto, o Fundeb deve trabalhar sob a égide do CAQi. Sobre esse tema, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação publicou em 2018 o livro “CAQi e CAQ no PNE: quanto custa a educação pública de qualidade no Brasil”, disponível on-line.

Considerando que em pleno século 21 o Brasil tem escolas públicas de educação básica sem acesso a água potável, luz e tratamento de água e esgoto, escolas privadas de alto padrão permanecerão ofertando professores bem remunerados, com boa formação inicial e continuada, número adequado de alunos por turma, Internet banda larga, biblioteca, laboratórios de ciências e informática, quadra poliesportiva coberta, etc.

Nesse contexto, caso a menção ao CAQ não seja corrigida, o texto desrespeitará os princípios constitucionais da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, garantia de padrão de qualidade e participação da União para a consagração federativa do padrão mínimo de qualidade na educação (art. 206, inciso I e VII e art. 211, parágrafo primeiro da Constituição Federal).

O sistema Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e Custo Aluno-Qualidade (CAQ), instituído no Plano Nacional de Educação, é o melhor caminho para corrigir as desigualdades e determinar condições adequadas para oferta do ensino. Vale dizer que o CAQ vem sendo desconstruído e atacado, segundo informação obtida no relatório da deputada Profa. Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) pelos/as parlamentares: Tabata Amaral (PDT-SP), Felipe Rigoni (PSB-ES), Thiago Mitraud (Novo-MG), Marcelo Calero (Cidadania-RJ), Raul Henry (MDB-PE) e Professor Israel Batista (PV-DF); além deles, também não querem a constitucionalização do CAQ os Ministérios da Educação e da Economia do Governo Bolsonaro, e a ONG “Todos’ Pela Educação”. Com isso, compõe-se uma aliança tácita contra a universalização de escolas públicas capazes de garantir o processo de ensino-aprendizagem.

Em terceiro lugar, em vez de avançar na linha da verdadeira equidade, o relatório cede à pressão de parlamentares comprometidos com a reforma empresarial da educação e decide transferir recursos para redes públicas por meio da aferição de desempenho dos estudantes. No mundo todo, isso resultou em maior desigualdade entre redes e escolas públicas. Como solução para amenizar esse efeito, o texto constitucionaliza o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), instituído no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014) por proposição da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes), sediado na Universidade de Campinas. Contudo, caso seja mantido esse mecanismo antipedagógico para distribuição de recursos do Fundeb, é preciso aprimorar a redação do substitutivo, vedando que redes públicas com maior arrecadação e, portanto, com maior capacidade de avançar nas avaliações de larga escala, não sejam ainda mais privilegiadas.
 

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