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Amanhã será tarde demais, por Daniela Arbex

A escritora e jornalista Amiga da Criança Daniela Arbex publicou nesta segunda-feira, em suas redes sociais, um artigo sobre a urgência de divulgação de dados sobre trabalho infantil. "Combater o trabalho infantil não é tarefa para amanhã. Se trata da urgência de agirmos agora, porque depois será tarde demais", ressalta.

Os últimos dados divulgados pelo IBGE são de 2016. Esse apagão de informações impacta negativamente a elaboração de políticas públicas de combate e prevenção do trabalho infantil, a transparência e o controle social. "A cada dia que passa, sinto uma perplexidade enorme diante do atual momento político do Brasil. É difícil entender para onde vai um país que desconhece a realidade de seu povo, sobretudo a da infância e da adolescência. Precisou que o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) exigisse, por meio de nota, que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgasse dados atualizados sobre milhares de meninos e meninas envolvidos no trabalho precoce para romper com meses de silêncio", avalia a jornalista.

Confira abaixo a crônica completa: 

Amanhã será tarde demais
Por Daniela Arbex

A cada dia que passa, sinto uma perplexidade enorme diante do atual momento político do Brasil. É difícil entender para onde vai um país que desconhece a realidade de seu povo, sobretudo a da infância e da adolescência. Precisou que o  Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) exigisse, por meio de nota, que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgasse dados atualizados sobre milhares de meninos e meninas envolvidos no trabalho precoce para romper com meses de silêncio.

Eu explico: só depois de ser cobrado publicamente é que o IBGE se manifestou sobre o assunto e culpou a pandemia pela falta de estatísticas atualizadas, anunciando, ainda, o adiamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD). O problema, no entanto, é bem anterior ao Coronavírus.

O último relatório oficial referente ao trabalho infantil é de 2016, quando o órgão excluiu da pesquisa crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que trabalhavam para o próprio consumo, reconhecendo, portanto, somente aquelas com ocupação capaz de gerar renda. Com isso, meio milhão dos 2,4 milhões de pessoas nessa situação foi deixada de lado na formulação de políticas públicas capazes de alcançar esse exército de invisíveis.

São três longos anos em que o governo brasileiro não divulga dados atualizados sobre uma realidade que viola os direitos fundamentais da população infanto-juvenil e que alimenta o perverso ciclo da exclusão. Como lembra o próprio Fórum, “o enfrentamento ao trabalho infantil está diretamente ligado a problemas estruturais da sociedade brasileira como a pobreza, o desemprego, a informalidade, a concentração de renda, o racismo e a exclusão escolar, questões sociais que se agravam na conjuntura atual da pandemia de COVID-19”.

Dados recentemente divulgados pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que somente na América Latina e no Caribe, cerca de 326 mil crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos devem buscar trabalho como resultado da crise econômica e social pós-pandemia. A projeção das duas agências da Organização das Nações Unidas (ONU) é que mais de 10 milhões de famílias retornem à pobreza ou extrema pobreza.

No Brasil, a realidade é agravada pelo desmonte das políticas públicas e pela falta de estratégias capazes de prevenir uma mazela social que rouba não só oportunidades desses meninos e meninas, mas a própria infância e adolescência.

Há alguns anos, denunciei a situação de uma comunidade em Minas Gerais explorada pela cultura do alho. Nela, mulheres, homens, crianças e jovens passavam o dia inteiro descascando centenas de quilos de alho que seriam vendidos em grandes redes de supermercados. Na época, o uso da mão de obra infanto-juvenil foi justificado pelos pais, que também viviam à margem do mercado formal de trabalho.

"Prefiro meus filhos trabalhando comigo do que roubando, alegou uma mulher cujos cinco filhos passavam dia e noite enchendo baldes de alho sem pele."

Pelo quilo, eles ganhavam R$0,50, embora no comércio a mesma quantidade do produto fosse revendida pelos atravessadores por R$ 24.

Além de estarem faltosos na escola, os filhos daquela mulher ainda não sabiam que tinham perdido as impressões digitais na tarefa inapropriada para pessoas em condição de desenvolvimento. Sem as linhas que os tornavam seres únicos no mundo, eles cresceram privados de uma identidade e sem direito ao futuro.

Combater o trabalho infantil não é tarefa para amanhã. Se trata da urgência de agirmos agora, porque depois será tarde demais.

 

O artigo foi publicado originalmente no Facebook e no Instagram da autora. 

O FNPETI solicitou, em Nota Pública, a divulgação imediata dos dados sobre trabalho infantil. Acesse: https://fnpeti.org.br/noticias/2020/07/15/fnpeti-e-organizacoes-parceiras-requerem-ao-ibge-divulgacao-imediata-de-dados-atualizados-sobre-trabalho-infantil/

 

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